Páginas

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Ela me deixou

Quando tinha dez anos, me lembro bem de ser muito agarrado com minha mãe, ela não era muito nova, devia ter uns cinquenta e oito anos, algo em torno disso. Enfim, um dia, pela manhã ela se arrumou e logo depois me arrumou, colocou uma das minhas melhores roupas e disse que iriamos ao shopping, depois que saímos de casa ela pegou um ônibus diferente do que geralmente pegávamos
para ir ao shopping, quando a perguntei o porquê da mudança de ônibus, ela disse que iriamos passar na casa de uma amiga dela antes.
Quando chegamos a tal casa da amiga dela, percebi que ela estava com uma mochila, ou melhor, minha mochila. O lugar onde estávamos não era uma casa, muito menos de uma amiga dela, era um prédio muito grande com um enorme jardim e várias crianças brincando nos brinquedos que haviam no jardim.
Achei estranho o fato dela ter mentido e o me perguntava o porquê de ela ter pego minha mochila.
Cerca de vinte minutos depois que chegamos lá, minha mãe foi atendida por uma senhora, elas conversaram rapidamente e minha mãe a entregou minha mochila.
Mamãe se agachou até ficar do meu tamanho e disse que precisava resolver uma coisa muito importante e, como meu pai havia a abandonado, não tinha com quem me deixar, ela disse que na manhã seguinte me buscaria e pediu que eu me comportasse, me deu um beijo e foi embora, sem nem olhar para trás.
Naquele dia, quando ela me deixou lá e não voltou mais, pois é, ela não voltou, podia se ver claramente que não havia nenhuma dor ou lágrima em seus olhos e foi isso que me fez ter mais ódio dela.
Um ano depois, eu tinha virado a peste daquele orfanato, não tinha amigos e as pessoas que ali trabalhavam me odiavam. Eu não podia culpa-los.
Depois de esperar por um mês inteiro, percebi que minha mãe não voltaria e nada mais podia me definir se não a raiva e a tristeza. Não conseguia comer e qualquer pessoa que tentasse falar comigo era agredida de alguma forma, já que eu tacava qualquer coisa que tivesse perto de mim na pessoa.
Uma vez, havia ido um pastor até o orfanato para orar pelas crianças, ele tentou ser simpático comigo e quando foi me dar uma bala, eu fiquei muito nervoso e joguei uma faca nele. Estávamos no refeitório e essa foi a coisa mais rápida que consegui pegar.
Ele levou oito pontos no braço e eu fiquei sem janta durante duas semanas, além de ficar dez horas inteiras virado para parede para “pensar” no que havia feito.
Quando meu aniversário de dezoito anos chegou, e eu pude sair dali, não o fiz. Não tinha para onde ir, e morria de medo de ser enganado de novo, além disso, passei oito anos da minha vida ali, sozinho, trancado em um quarto. Não tinha a mínima ideia do que deveria fazer.
Eu fiquei por lá, parei de me esconder no quarto e passei a ajudar as crianças.
No dia do meu aniversário de vinte anos, minha mãe apareceu por lá, pediu para me chamarem e eu a atendi, ela correu até meus braços e chorou até não poder mais, por mais que eu a odiasse, precisava disso, então a abracei mais forte e chorei, chorei por nunca ter chorado nem se quer uma lágrima nos dez últimos anos. E então quando me acalmei, soltei a ali e disse a ela que precisava resolver uma coisa muito importante e não tinha como atende-la, falei que atenderia ela amanhã e pedi que se comportasse, virei as costas sem nem olha-la e deixei-a ali, como havia feito comigo dez anos atrás.

Nenhum comentário:

Postar um comentário